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sábado, 5 de novembro de 2011

A entrevista de Eric Clapton - uma crônica.


Eric Clapton chega titubeante. Não queria ir mas foi convencido pela assessoria de imprensa. Todos falavam da importância da entrevista: era para a maior TV da América Latina, lembravam. Não tinha jeito. Tinha que ir. É recebido pela entrevistadora sorriso-colgate, com as mãos cheias de papéis-perguntas. Havia reclamado um bocado de seu atraso. De seu horário pouco britânico. Senta-se. Parece cansado. Tenta se ajeitar enquanto aguarda a primeira pergunta. Olha para a apresentadora: parece nervosa. Por que ainda faço isso, pensa. Ainda divagava quando vem a primeira: "O que você acha de ser chamado de deus da guitarra?". Clapton parece afundar um pouco na poltrona. Quase cinquenta anos ouvindo a mesma pergunta. Responde que isso foi coisa de outra época, que não se sentia melhor do que ninguém e que era grato aos fãs pela admiração. Resposta rápida e gentil. A entrevistadora decide então acometer um momento fã-clube. Declara de maneira meio ridícula que para ela ele era, sim, deus. Enquanto Clapton a olha constrangido sem saber bem o que responder, sua serva encontra o próximo papel-pergunta. E desafina de novo: "quem foi melhor, você ou Jimi Hendrix?". Dessa vez dá para

perceber o incômodo de Clapton. A fé da repórter sorriso-plax em sua divindade durou pouco. Em segundos cai de um céu de anjos-Layla solando While My Guitar Gently Weeps e é arrastado para uma comparação nonsense. Já no chão, soa entediado. Diz que não havia ninguém melhor, que cada um fazia a sua música e blá, blá. Nesse momento a entrevista é cortada para a entrada de cenas gravadas de fãs a caminho de um show seu. E lá o roteiro também não inova. "Você já namorou ao som da guitarra de Eric Clapton?", pergunta a repórter fazendo o tipo animadinha . Corta para o estúdio. A entrevistadora-torturadora dessa vez pergunta se a morte do filho de Clapton o ajudou a compor melhor. Um sonolento Clapton responde que sim. Deve ter feito confusão e entendido se a morte da entrevistadora o faria feliz. Seu corpo afunda ainda mais na cadeira sob o peso de Tears in Heaven quando entra em cena mais uma vez a saltitante repórter de rua. Pergunta para um ansioso fiel se ele já havia se emocionado durante um solo de guitarra de deus. Corta para o estúdio. O músico já não esconde mais seu desânimo. E quando a entrevistadora-xereta quer saber detalhes sobre o namoro dele com Carla Bruni, atual esposa do presidente da França, Clapton se pergunta que mal havia feito a Deus, o outro, para merecer tal castigo. Após o revezamento de perguntas-pipoca e cenas ruins de um show de Clapton, termina o programa.
Soube-se depois que deus saiu caminhando com dificuldades do estúdio, aspecto envelhecido, pedindo para ir para a casa do recluso João Gilberto, seu ídolo. Estava ansioso para saber o que o mestre da Bossa Nova fazia para se manter longe dos entrevistadores. Não foi recebido.

Sobre o Autor:
Marcos Mendes Marcos Mendes é músico e compositor. É também observador inquieto que escreve o que vê e o que sente em relação a vida e o mundo. Fala sobre assuntos sérios sem perder o tom da descontração.

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